Ele sonhou meu sonho, formou minha
forma, me fez semelhante, me deu um jardim, me deu sua voz, sua presença e seu
cuidado na viração do dia.
Me deu autoridade, perspicácia, me
fez sagas e forte... Percebeu minha
solidão e da minha extensão me apresentou o Eros...
Me amou incondicionalmente e me despejou confiança mesmo sabendo de minhas
limitações. Porém eu, seu filho, sua perfeita criação, seu sonho, sua obra
prima, não consegui, não percebi de inicio que estava transgredindo, não
percebi que era um plano contrario aos dele, não imaginava que era possível
alguém não ama-lo, ou tentar feri-lo ou entristecê-lo... Mas eu na minha
pequenez, ignorância e sedução pela adrenalina que surgia... Comi.
Me alimentei do sofisma e causei
tudo aquilo que achava ser impossível, minha fome humana feriu o seio divino, e
sem medir, feri a humanidade, deixei minha curiosidade contaminar o DNA do
mundo e assim, depois de dar nomes as criações, dei nome as mesmas só que
deformadas e mortais.
Mesmo com tanta dor e cheiro de
decepção ele me procurou, estava lá na hora marcada, andando sozinho à procura
do filho escondido. Sua voz era mansa e preocupada, “onde estás?” E eu conflitado
com tibieza resolvi encontrar paliativos. Sai do esconderijo, surgi com
arrogância, saltei com força e vigor, e ele, esperando dos meus lábios o
perdão, ouviu acusação.
Acusei, procurei um jeito, cobri
minha vergonha em vão, pois não sabia que somente ele poderia restaurar o sabor
da paz, que só ele tinha poder pra refazer o que foi quebrado, mediante um
pedido de conserto de quem o quebrou.
Mesmo com tristeza e dor ele me cobriu,
me escondeu no seu seio, me deu o perdão me deixando apenas com a consequência
dos meus atos. Penso que poderia ser diferente, poderia voltar como antes
mediante a uma palavra que meu orgulho
medroso não me deixou dizer.
O jardim não era mais o meu, mas eu
continuava sendo dele e por amor a mim decidiu refazer o jardim, resolveu
renovar a aliança, sentimos saudades um do outro, sentimos falta das tardes e
das conversas, sentimos falta da voz e do sabor da amizade e mesmo com sua
distancia majestosa e todo soberano poder, ele desceu, levantou, se inclinou,
sentiu o cheiro suave da minha adoração e decidiu reabitar de forma individual.
Desfez de sua gloria sem precisar ou ter motivos para isso, mas o fez e com
perfeição, estávamos juntos de novo, sua voz era mais forte que antes, mais
viva, com mansidão e suavidade ele estava ali de novo, não só na viração do dia
mais em todo instante, todo momento, todo milésimo de segundo até a consumação
ele estava, e descobri quando ouvi que a voz vinha de dentro e não do alto, ele
estava me justificando e me convencendo de meu juízo.
Errei... Ele me convenceu disso, me
perdoou e me fez de novo, habito hoje ao seu lado, no seu seio, debaixo das
suas asas, estou de volta ao jardim, de onde nunca deveria ter saído.
Meu nome é Adão, sem culpa, remorso ou dor, sou aquele que errou primeiro, porém aquele que foi amado primeiro, com a condição que o erro passa o amor não.